As aventuras de Mohammed, o investidor explosivo

Aviso: texto longo. Assista a essa vinheta antes de começar a leitura, isso vai te ajudar a ler sem cansar (é sério):

Bem, a ideia inicial para o título deste post era: “Inimigos do patrimônio: oportunidades”. Mas como ficaria muito extenso descrever todas as chances imperdíveis que surgem para destruir o seu patrimônio, preferi apresentá-las em histórias que o nosso conhecido vilão da riqueza, o Mohammed, surge como protagonista delas, a fim de deixar o texto mais confortável para a leitura e claro, tocar comicamente esse tema que termina em tragédia, na maioria das vezes.

Capítulo 1 – Antigo Egito

Mohammed estava tranquilo em casa, quando, repentinamente, recebe a ligação de um amigo. Na conversa, ele descobre que há uma empresa em pleno crescimento, oferendo ganhos inacreditáveis aos seus sócios. Mohammed, impressionado, pergunta a ele o que precisa ser feito para entrar no empreendimento. O amigo, já feliz pela empolgação de Mohammed, diz:

-Cara, amanhã teremos uma reunião de lideranças, lá no centro da cidade. Aproveite e venha para cá ver com mais detalhes o case da empresa!

Mohammed, surpreso com a própria sorte ao saber da reunião, diz ao camarada:

-Pode contar comigo que amanhã estarei lá!

No dia seguinte, na reunião de lideranças, Mohammed viu diversos palestrantes, todos bem vestidos, falando com propriedade que se todos ali investissem na empresa, abandonariam o lixo de vida que eles estavam levando.

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Teve gestos, danças, a empresa é certeza da vitória!

Mohammed, motivado com todas as ilusões mostradas, nem se deu conta no negócio principal da empresa. Afinal, para que saber? Se ele conseguisse criar a própria rede, viveria dos lucros dos participantes e sempre ganharia comissão da taxa de entrada de cada um! Sabendo disso, fez a compra do pacote Ultramegablastergold e iniciou sua jornada na (escolha qualquer pirâmide e insira aqui).

Povo, nem irei continuar a história por que todos conhecem o final. Há tempos, golpes de pirâmides são feitos e sempre fazem vítimas. E continuarão fazendo, enquanto houver novos esquemas ponzi. A resposta para isso é unicamente a ganância humana. A gana por conseguir dinheiro fácil é tanta que o cidadão não consegue perceber o pântano onde ele está andando. Segue um exemplo de um esquema que está rolando atualmente: Unick Forex.

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Cara, 33% ao mês. Tá de sacanagem.

Para mim, quem entra em um esquema desses no mínimo não sabe fazer conta. Vamos lá, 33% a.m. Investindo 1 real, ao longo de 1 ano, terei R$ 30,63; 3 anos, R$ 28.750,00; 5 anos, R$ 26.983.511,00; em 10 anos, comprarei o sistema solar inteiro.

Para quem não sabe, um dos princípios da Contabilidade é a Continuidade, que nada mais é a crença de que a empresa existirá para sempre. Então, julgo que qualquer empresa que ofereça cerca de 5% ao mês está fadada ao fracasso. Se você tiver dúvida ainda sobre esse rendimento, tome como base os títulos de dívida do tesouro. O Brasil te paga no máximo 5% + IPCA ao ano até 2045. Como é que uma organização vai te pagar mais que isso ao mês?

O pior é que antes os esquemas envolviam coisas tangíveis, como avestruzes, ligação de celular, rastreadores veiculares, perfumes, roupas, suplementos etc. Hoje, a maioria delas é em cima de criptomoedas, mineração de criptomoedas, forex, ou seja, coisas intangíveis que só para entender te dá um trabalho intenso. Esse artigo do site uol descreve bem esses esquemas.

O site Bad Bitcoin Project mostra todas as possíveis pirâmides envolvendo criptomoedas.

Resumo das pirâmides:

  1. Sempre lhe oferecem fácil enriquecimento;
  2. Você não precisa fazer nada para ganhar dinheiro;
  3. Se você fizer algo, vai ganhar ainda mais dinheiro, vai ficar milionário, pode abandonar o emprego e ser feliz, pois antes você era infeliz e não sabia;
  4. Quanto mais pontos fizer na sua rede, mais títulos ilusórios você ganhará. Ex: gold, rubi, diamante, platina, The ultra master pica of the darkness etc;
  5. Elas sempre possuem um nome estranho.

Capítulo 2 – Apartamento na planta

Em um jantar de família, Mohammed e seu cunhado estavam conversando sobre imóveis.

Cunhado: -Mohammed, como está essa vida sofrida de pagador de aluguel?

-Ah, tá complicado, mas estamos investindo a diferença, planejando uma compra mais para frente…

-Ah, Mohammed! Financie logo isso! Quem não tem dívida, não tem nada! Dinheiro em aluguel é dinheiro jogado fora! Quem compra terra nunca erra! Imóvel sempre valoriza!

-Tá bem, tá bem! Mas como vou comprar se nem o dinheiro da entrada eu tenho para dar?

Daí o cunhado, triunfante, diz:

-É só comprar na planta! Você paga menos enquanto constrói, e quando o apartamento estiver pronto, você poderá até vendê-lo mais caro!

Mohammed, pensativo, pois tinha acabado de perder R$ 5.000,00 em uma pirâmide, avaliou e resolveu comprar o imóvel, pois só assim ele poderia morar no que é (ou poderia ser) dele.

E mais uma vez Mohammed entrou numa fria. Vamos lá:

Ele chegou ao stand de vendas de uma construtora e conseguiu a compra. Utilizou os FGTS dele e o da esposa e completaram uma entrada de 20% do valor do imóvel. Como não tinham o valor da entrada à vista, financiaram direto com a construtora o restante da entrada em 60 meses. Afinal, estava saindo muito barato. Ele só teria que aguardar a obra enquanto pagava as parcelas do financiamento + entrada. O corretor no momento da venda falou de uma taxa de INCC mas o Mohammed nem ligou, pois sabia que o imóvel teria valorização na certa! No mínimo de 30% ao ano!

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Expectativa no stand de vendas, realidade após a entrega.

Para quem quer ver o tamanho do prejuízo na compra de um apartamento na planta, confira aqui.

Em relação à compra de apartamentos na planta, tenha em mente o seguinte:

  1. Caso você compre um apartamento na planta, com uma obra de cerca de 3 anos de duração, pode ser que tudo o que você pagar durante a obra não abater em nada do valor principal do imóvel, dado o reajuste mensal do INCC;
  2. A valorização do imóvel não é garantida. Imagine que você tenha pago mais por causa do INCC e, depois da obra feita, seu imóvel valer menos do que você deve. Saiba que existe essa possibilidade;
  3. Imbróglios na entrega das chaves: passando o período das obras, você recebe o imóvel. Pronto, sonho conquistado! Daí você entra no imóvel e percebe que o mesmo está sem o piso. Não há a fiação elétrica, muito menos o disjuntor do apartamento na caixa de força do prédio. Socorro, Jesus! Acabei de esperar uma obra de 3 anos e já terei que entrar em outra? Nunca se esqueça que todas as imagens do stand de vendas são meramente ilustrativas;
  4. Enquanto estiver financiando, você estará morando no que é seu, mas nunca se esqueça de pagar os boletos, se não o banco toma o que é dele de volta.

Portanto, esqueça qualquer coisa que envolva o reino vegetal, bancos e moradia.

Capítulo 3 – Trade em tesouro direto

Após tomar um ferro em pirâmides e terminar de queimar uma grana adquirindo o apartamento na planta, Mohammed resolve estudar e por algum acaso do destino, encontrou o blog do Pracinha Investidor e começou a trilhar o caminho das pedras, para enfim conseguir acumular capital.

O problema é que Mohammed tende a ir para o lado negro da força, e novamente fica tentado a se explodir.

Ele começa investindo em RF e RV. Na renda fixa, compra diversos títulos do tesouro em prazos mais alongados, de forma a aproveitar da melhor forma possível os juros compostos. Para o azar dele, um amigo resolveu dar a seguinte sugestão a ele:

-Mohammed, sabia que você pode conseguir ganhos de curto prazo investindo em tesouro direto?

-Não, não sabia. Como funciona isso?

-Cara, tem um negócio que é marcação de mercado. Assim, depois que você compra o título, ele aumenta em pouco tempo. Daí tu pega ele, vende e embolsa o lucro.

-Caramba, eu não sabia disso!

-É, Mohammed! Não tem como dar errado!

-Cara, tu tem razão! Agora vai!

E realmente foi. Pro fundo do poço.

Para quem não sabe, a marcação a mercado é a variação sofrida pelo título do tesouro no curto prazo. Eu explicarei esse mecanismo em um post futuro, para não deixar este aqui ainda maior. Mas fique com a seguinte informação na cabeça:

Se você comprar um título a 5% + IPCA para vencer em 2045, você receberá 5% + IPCA no vencimento, em 2045. Os ajustes que ocorrem ao longo do tempo são meramente mudanças das taxas no curto prazo. Só isso.

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Para quê se preocupar com as oscilações de curto prazo de um título cujo vencimento será para daqui a 20 anos? Vá se tratar, Mohammed!

Inacreditavelmente, o Mohammed conseguiu perder dinheiro na renda fixa. Pense no seguinte: caso você lucre na venda do título, você pagará imposto de renda sobre o lucro. Ok, mesmo pagando os impostos, tive lucro. Que ótimo! Mas e agora? Vai fazer o quê com o dinheiro? Comprar outro título do tesouro direto? Vai pegar um CDB para pagar mais imposto em breve? Conseguir uma ‘oportunidade’ em renda variável?

Sejamos práticos. A cada venda, se paga imposto. Evite custos de transação. Se a venda gera a compra de outro ativo, estamos girando patrimônio. A cada giro, menor acumulação dos juros compostos.

Capítulo 4 – Oportunidades na bolsa

Se você chegou até aqui, parabéns, muito obrigado pela obstinação em ver a desgraça do Mohammed!

Após abrir uma filial da VALE3 depois de levar tanto ferro, Mohammed resolve escutar mais ninguém e fugir para uma caverna. Lá, dedica seu tempo total em estudos, lê diversos autores, dos EUA, Brasil e se torna autossuficiente nas decisões tomadas pelos próprios investimentos.

Mohammed agora sabe diversos conceitos para investimentos para longo prazo e começa sua jornada montando sua carteira. Mais uma vez, ignorando o bom senso e o controle de risco, viu uma oportunidade em FJTA4.

Nessa etapa, estamos em agosto de 2018. Mohammed, com seu raciocínio aguçado, previu uma grande oportunidade de crescimento em FJTA4. Em uma folha de papel, desenvolveu suas ideias da seguinte forma:

  1. Forja Taurus fabrica armas;
  2. Bolsonaro está crescendo nas pesquisas;
  3. FJTA tem monopólio no Brasil;
  4. Bolsonaro vai liberar armas para todos;
  5. Todos vão comprar armas!
  6. AGORA VAI!

Mohammed, orgulhoso em sua caverna acreditou que enfim encontrou o caminho da riqueza. O triste da história que ele e a torcida do flamengo pensaram da mesma forma.

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Viu subir em setembro, Bolsonaro subindo nas pesquisas, comprou mais, viu subir mais ainda em outubro, comprando ainda mais quando veio a “inesperada” queda desenfreada. Amargou um prejuízo federal e agora é mais um sócio de longo prazo de FJTA4.

Se Mohammed tivesse analisado os balanços de FJTA, isso não teria acontecido:

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FJTA desde 2012 dando prejuízo, Mohammed! Como é que você entra numa dessas?

Resumindo:

  • Você nunca vai ser o malandrão na bolsa de valores;
  • Sempre tenha controle de risco e controle emocional;
  • Se a empresa é ruim, ela vai continuar sendo ruim ou até piorar!
  • Você acha que Infomonkey, EmpiriCUs, Bobo News, Fumo Research, Toco Radar vão te dar o caminho da riqueza? Pelo amor de Deus, saia dessa!
  • Não acompanhe notícias dos sites acima ou semelhantes, acompanhe os balanços das empresas que você é sócio;
  • Se quiser ganhar apostando, vá para jogos de azar, dessa forma, você perderá dinheiro conscientemente, anulando a chance de você colocar a culpa nos outros do próprio erro cometido.

Conclusão

A ideia principal que deixo nesse post é que não existe dinheiro fácil. Na maioria das vezes, quando você se vê diante de uma oportunidade, pode ser que você esteja correndo um grande risco de tomar uma trolha alada. Segue abaixo um guia de como não entrar em “oportunidades”:

  • Vai ganhar muito em pouco tempo? Desconfie;
  • Se tiver que chamar mais gente pra ter mais dinheiro, olho vivo;
  • Indicação do cunhado ou do amigo esperto? Caia fora;
  • Tenha em mente que não existe dinheiro fácil;
  • Ninguém, mas ninguém vai te ligar te oferecendo dinheiro! Não seja ingênuo!
  • Não tente dar uma de malandrão para ganhar mais em menos tempo. Isso sempre termina mal;
  • Teste o Agora Vai quando estiver diante da oportunidade. O volume do grito “AGORA VAI!” é diretamente proporcional à chance de você tomar um ferro.

Então é isso, povo de Roma. Deixo aqui, para finalizar, um pensamento de um colega de trabalho que em muito me ajudou no início da minha carreira.

No mundo, existem 3 tipos de indivíduos.

  1. Os burros;
  2. Os idiotas;
  3. E os inteligentes.

O burro erra, entende que errou e aprende com o próprio erro. Sendo assim, ele não cometerá o mesmo erro;

O idiota erra, não entende por que errou e continua cometendo o mesmo erro por caminhos diferentes;

O inteligente vê o burro e o idiota errando e aprende com os erros deles.

Caso você não consiga ser inteligente, pelo menos não seja idiota.”

Com esse pensamento, me despeço.

#somostodosburros

 

8 comentários sobre “As aventuras de Mohammed, o investidor explosivo

  1. Ótimo tópico Jéferson! Uma dúvida, nas condições atuais da SELIC e IPCA, ainda acha que vale a pena investir hoje no tesouro IPCA, que está na casa dos 5%?

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    • Camarada, depende do seu objetivo.

      Como o meu foco é acumular patrimônio, eu sempre compro o título com o maior prazo, sem o pagamento de juros semestrais. Então sempre pego do ipca 2045, quando sair o 2055, passo a comprar dele.

      A ideia é sempre pagar menos impostos, o dinheiro na RF para mim é só para não ficar totalmente exposto na RV, que oscila demais, fazendo mal ao fígado.

      5% + ipca tá de bom tamanho, havendo oscilações, você sempre estará ganhando.

      Se você passar 10 anos comprando o mesmo título do TD, vai fazer um preço médio nele.

      Tempos ruins te pagarão mais, melhores, menos.

      Você, na média, estará ganhando.

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